13/11/2006

O uso dos recursos- O espaço de floresta usado por cada casa-aldeia yanomami pode ser descrito esquemáticamente como uma série de círculos concêntricos. Esses círculos delimitam áreas de uso de modos e intensidade distintos. O primeiro círculo, num raio de cinco quilómetros, circunscreve a área de uso imediato da comunidade: pequena colecta feminina, pesca individual ou, no verão, pesca colectiva com timbó, caça ocasional de curta duração (ao amanhecer ou ao entardecer) e actividades agrícolas. O segundo círculo, num raio de cinco a dez quilómetros, é a área de caça individual (rama huu) e da colecta familiar do dia-a-dia. O terceiro círculo, num raio de dez a vinte quilómetros, é a área das expedições de caça colectivas (henimou) de uma a duas semanas que antecedem os rituais funerários (cremações dos ossos, enterros ou ingestões de cinzas nas cerimônias intercomunitárias reahu), bem como das longas expedições plurifamiliares de colecta e caça (três a seis semanas) durante a fase de maturação das novas roças (waima huu). Encontram-se também nesse "terceiro círculo" tanto as roças novas quanto as antigas, junto às quais se acampa esporadicamente Os Yanomami costumavam passar entre um terço a metade do ano acampados em abrigos provisórios (naa nahipë) em diferentes locais dessa área de floresta mais afastada da sua casa coletiva ou aldeia. Esse tempo de vida na floresta tende a diminuir quando se estabelecem relações de contacto regular com os brancos, dos quais os Yanomami ficam dependentes para ter acesso a remédios e mercadorias.

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Urihi, a terra-floresta- A palavra yanomami "urihi" designa a floresta e seu chão. Significa também território: ipa urihi, "minha terra", pode referir-se à região de nascimento ou à região de moradia actual do enúnciador; yanomae thëpë urihipë, "a floresta dos seres humanos", é a mata que Omama deu para os Yanomami viverem de geração em geração; seria, em nossas palavras, "a terra yanomami". Urihi pode ser, também, o nome do mundo: urihi a pree, "a grande terra-floresta".Uma geografia cosmológica. Fonte de recursos, urihi, a terra-floresta, não é, para os Yanomami, um simples cenário inerte submetido à vontade dos seres humanos. Entidade viva, ela tem uma imagem essencial (urihinari), um sopro (wixia), bem como um princípio imaterial de fertilidade (në rope). Os animais (yaropë) que abriga são vistos como avatares dos antepassados míticos homens/animais da primeira humanidade (yaroripë) que acabaram assumindo a condição animal em razão do seu comportamento descontrolado, inversão das regras sociais actuais. Nas profundezas emaranhadas da urihi, nas suas colinas e nos seus rios, escondem-se inúmeros seres maléficos (në waripë), que ferem ou matam os Yanomami como se fossem caça, provocando doenças e mortes. No topo das montanhas, moram as imagens (utupë) dos ancestrais-animais transformadas em espíritos xamânicos xapiripë. Os xapiripë foram deixados por Omama para que cuidassem dos humanos. Toda a extensão de urihi é coberta pelos seus espelhos onde brincam e dançam sem fim. No fundo das águas, esconde-se a casa do monstro Tëpërësik«, sogro de Omama, onde moram também os espíritos yawarioma, cujas irmãs seduzem e enlouquecem os jovens caçadores yanomami, dando-lhes, assim, acesso à carreira xamânica.

Os espíritos xapiripë- A iniciação dos pajés é dolorosa e estática. Ao longo dela, inalando por muitos dias o pó alucinogénico yãkõana (resina ou fragmentos da casca interna da árvore Virola sp. secados e pulverizados) sob a condução dos mais antigos, aprendem a "ver/ conhecer" os espíritos xapiripë e a "responder" aos seus cantos. Os xapiripë são vistos sob a forma de miniaturas humanóides enfeitadas de ornamentos cerimoniais coloridos e brilhantes. Sua dança de apresentação é comparada à ruidosa e alegre chegada de grupos convidados, ricamente adornados, numa festa intercomunitária reahu. São, sobretudo, "imagens" xamânicas (utupë) de entes da floresta. Existem xapiripë de mamíferos, pássaros, peixes, batráquios, répteis, lagartos, quelónios, crustáceos e insetos. Existem espíritos de diversas árvores, espíritos das folhas, espíritos dos cipós, dos méis silvestres, da água, das pedras, das cachoeiras… Muitos são também "imagens" de entidades cósmicas (lua, sol, tempestade, trovão, relâmpago) e de personagens mitológicas. Existem também humildes xapiripë caseiros, como o espírito do cachorro, o espírito do fogo ou da panela de barro. Existem, enfim, espíritos dos "brancos" (os napënapëripë, mobilizados, por homeopatia simbólica, para combater as epidemias) e de seus animais domésticos (galinha, boi, cavalo).O trabalho dos pajés- Uma vez iniciados, os pajés yanomami podem chamar até si os xapiripë, para que estes actuem como espíritos auxiliares. Esse poder de conhecimento/ visão e de comunicação com o mundo das “imagens/essencias vitais” (utupë) faz dos pajés os pilares da sociedade yanomami. Escudo contra os poderes maléficos oriundos dos humanos e dos não-humanos que ameaçam a vida dos membros das suas comunidades, eles são também incansáveis negociadores e guerreiros do invisível, dedicados a domar as entidades e as forças que movem a ordem cosmológica. Controlam a fúria dos trovões e dos ventos de tempestade, a regularidade da alternância do dia e da noite, da seca e das chuvas, a abundância da caça, a fertilidade das plantações, sustentam a abóbada do céu para impedir sua queda (a terra atual é um antigo céu caído), afastam os predadores sobrenaturais da floresta, contra-atacam as investidas de espíritos agressivos de pajés inimigos e, principalmente, curam os doentes, vítimas da malevolência humana (feitiçarias, xamanismo agressivo, agressões ao duplo animal) ou não-humana (advinda dos seres maléficos në waripë). Ver os espíritos xapiripë- Para desenvolver as suas sessões, os pajés inalam o pó yãkõana, considerado como a comida dos espíritos. Sob seu efeito, dizem "morrer": entram num estado de transe visionário durante o qual "chamam" a si e "fazem descer" vários espíritos auxiliares, com os quais acabam identificando-se, imitando as coreografias e cantos de cada um em função da sua mobilização na pajelança (designam-se os pajés como xapiri thëpë, "gente espírito"; o fazer pajelança diz-se xapirimu, "agir enquanto espírito"). Assim, quando "os seus olhos morrem", os pajés adquirem uma visão/ poder que, ao contrário da percepção ilusória da "gente comum" (kua përa thëpë), lhes dá acesso à essência dos fenómenos e ao tempo de suas origens, portanto, à capacidade de modificar seu curso.

1 Comentários:

Às sexta-feira, novembro 17, 2006 , Anonymous Anónimo disse...

Este post faz me lembrar quando vim de França pequenino e cheguei a Alpedrinha...Depois graças á minha presença o desenvolvimento foi surgindo, á medida das minhas necessidades como era de prever, depois os recursos eram limitados tive que partir à procurar de novos conhecimentos...Neste momento voltei e deparo que os Yanomami estão 100 anos mais evoluidos que nós...(:

 

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